terça-feira, 23 de novembro de 2010

Assinado: Coração.

Meu querido e estimado Carlos.

Primeiramente gostaria de agradecer-lhe pelo belo cartão postal que me enviou. Ter a certeza de que estás bem, depois de todo esse tempo, é muito reconfortante. Tenho que ser-lhe bem sincera pelo fato de não achar tão reconfortante assim, saber do país onde se encontra instalado novamente. Não. Não se trata de ingratidão, mas se existe uma coisa da qual eu não sinto falta alguma é de meu antigo país tropical, ou melhor, do clima do mesmo. O calor era absurdamente intenso, ainda mais com a evolução que o aquecimento global sofreu nos meus últimos anos de estadia. Enfim, admito achar a neve, agasalhos e o frio bem mais estimulantes. Gosto até de me olhar no espelho e perceber a cor pálida de minha pele tomando um tom rosa, quase avermelhado devido ao intenso frio que faz aqui. Em contrapartida, tenho que admitir que nem o frio tem esquentado esse meu coração que anda gélido de tanta saudade das pessoas que aí deixei. Às vezes me pego rindo sozinha, recordando de todas as traquinagens cometidas por nós desde a infância e sinto até uma breve dor no peito, um aperto, chega a dar nó na garganta... tamanha é a falta que sinto de você e dos momentos que passamos. Mas gostaria de deixar-te claro que cada sorriso, cada lágrima, todas as lembranças, todas elas, sem exceção, permanecem vivas, intactas e eternizadas, não somente em fotos, mas em um lugar onde não poderão estragar, desbotar ou desaparecer. Em meu arquivo pessoal, em meu coração. Se ao longo dos anos em que permacemos juntos não agradeci à altura, gostaria de fazê-lo agora. Obrigada, muito obrigada! Por me proporcionar os mais intensos, bem-humorados, calorosos e inesquecíveis momentos de minha vida. Ao teu lado cresci, tornei-me criança novamente, sorri, chorei, e tudo colaborou muito para tornar-me o que sou hoje. Não me sai da memória a cena da minha despedida. Uma lágrima, um abraço, um beijo, o silêncio e o adeus. Naquele exato momento tive a certeza de que partiria, mas que deixaria um pedaço meu para trás, bem ali, contigo. E que comigo traria um pedaço teu, que me acompanharia para sempre onde quer que eu estivesse. Lembro-me que minha mãe sempre me dizia: Esse teu “excesso de liberdade” e essa mania de sempre querer mais, ainda vão te afastar daqui e de quem você ama. Ela estava certa. Confesso que o “ampliar horizontes” é uma coisa que sempre me fascinou, e no fundo tinha plena certeza de que enquanto eu não o fizesse, seria cobrada por mim mesma para o resto de minha vida, e que lá adiante, isso me impediria de realizar meus verdadeiros desejos. E como todo passo na vida exige sacrifícios, o sacrifício do meu maior passo foi deixar-te. Temia o fato de que você nunca mais desejasse entrar em contato comigo, mas agora que isso aconteceu, sinto-me aliviada, porém na obrigação de esclarecer-te determinadas questões que simplesmente decidi adiar anos atrás para amenizar o sofrimento de ambas as partes. Portanto meu querido, esteja certo de que ainda o amo, talvez bem mais agora. Como já dizia Arnaldo Jabor - Existe gente que precisa da ausência para querer a presença. – E é bem verdade. Finalizando, gostaria de pedir perdão se por acaso lhe causei algum desconforto com as palavras, mas nessa noite, a certa altura, meu coração tomou o lápis de minha mão - ainda trêmula após ler teu nome no verso do cartão - e escreveu-lhe esta carta.

Um beijo e um abraço, dos mais calorosos e com muita saudade.

PS: Caso queira fazer uma visita, eu e o frio estaremos de braços abertos para te receber

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Certo e errado, bom e ruim.

Certo é viver plenamente, intensamente, realizar, se entregar.
Errado é não dizer o que se pensa, poupar, calar, se limitar.
Bom é sair sem rumo, sentir-se livre, leve, flutuante, inconstante.
Ruim é a dor, dor de amor, dor da decepção, a dor que o medo causa.

Certo é olhar para trás e saber tirar proveito até das maiores tolices cometidas
Errado é amargurar, impedir, punir, desmotivar, desiludir.
Bom é se alegrar, sorrir, improvisar, cantar, animar, purificar.
Ruim é arrogância, mau humor, prepotência, intolerância.

Certo é ser verdadeiro, seguir sua intuição, seguir o coração.
Errado é dissimular, manipular, mentir, falsificar.
Bom é receber, amizade, cumplicidade, reciprocidade.
Ruim é sentir-se só, isolado, angustiado, atormentado.

Certo é desabafar, extravasar, libertar, brigar, desculpar.
Errado é guardar, prender, deixar passar, esquecer.
Bom é dia nublado, frio, livro, café, edredom, cobertor.
Ruim é calor, sol quente, suor, vapor, ardor, odor.

Certo é sentir.
Errado é fingir.
Bom é amar.
Ruim é se decepcionar.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A terceira pessoa do singular.

Criticar algo é difícil, falar de algo que se goste é fácil. Mas falar de alguém que já fez muito por ti, ou melhor, de alguém que lhe deu a vida é no mínimo suspeito.
Mas esse fato isolado, nem sempre fala por si só. Não dá para ser grata ou ter admiração por alguém que lhe deu a vida e só. Gratidão, admiração, amor, são sentimentos que são cultivados. Primeiro planta-se e com o passar do tempo colhe-se em doses cavalares e incondicionais, pelo menos é assim que deveria funcionar.
Então sem mais delongas, a pessoa a quem me refiro nesse texto, nada mais é do que ele, o homem que contribuiu de forma essencial para minha existência, meu pai.
Não tenho tantas, mas quero aqui fazer um relato das poucas lembranças que tenho da minha infância e o reflexo disso tudo no que sou hoje.
O que mais me marcou e o que continua me marcando até os dias de hoje sem sombras de dúvidas, não foram as nossas brincadeiras que por sinal eram sempre muito boas, mas sim nossas conversas, os seus conselhos, suas sábias palavras.
Lembro que bastava você fazer um simples relato de uma situação vivida para eu te encher de perguntas e prolongar a conversa por horas. Me pegava na maioria das vezes com as mãos apoiadas no queixo, dando toda atenção do mundo às suas palavras, o que não era exatamente atitude “normal” de uma criança. Mas o fato de eu nunca ter dado a atenção devida aos meus brinquedos e sim as conversas, talvez justifique essa minha “precocidade” em tudo. Enfim, via em você uma fonte de informações e tinha muita sede de tudo aquilo, por isso me encantava tanto. E hoje, quase 15 anos depois, me pego do mesmo modo, com todo encantamento e com mais sede ainda dessa “fonte do saber”, pois os assuntos que antes iam de experiências suas até conselhos para a vida, hoje se estendem de piadas, mais conselhos, até antroposofia ou radiestesia por exemplo. E ver que eu ainda tenho essa sede de todo conhecimento que você possui e que ainda fico, talvez bem mais agora, pasma vendo você falar sobre tudo que conhece, que ainda deito no seu colo só pra ganhar um cafuné, me deixa muito feliz. Ver a prevalência disso tudo, só me prova que você fez uma excelente plantação e que agora só está colhendo à devida altura.
Lembro das conversas com os amigos do colégio sobre os pais e que sempre que eu falava de você, inflava o peito, cheia de orgulho, porque para mim você sempre foi o melhor.
Quantas vezes vi você virando criança novamente só para me agradar... Lembro das vezes em que saíamos na rua de mãos dadas, pulando e assoviando os dois; essa era uma das várias faces que eu enxergava em você. Às vezes voltava a ser criança, muitas vezes era um amigo, mas a face que mais me enchia de orgulho era a de pai mesmo.
Vezes aquele pai que se me via fazendo coisa errada, me sentava e conversava por horas, explicava o certo e o errado e me aconselhava sempre; vezes aquele pai “leão”, que em qualquer situação de riso, colocava as garras de fora, pronto para proteger sua cria do perigo a qualquer custo. Essa sim, me proporcionava uma sensação de segurança e me fazia ter certeza de que com você nenhum mal poderia me atingir.
Mas até nisso você teve sabedoria e quando eu ainda era pequena, você me explicava de uma maneira simbólica que desde o começo me segurou firme pela mão e que caminhou junto comigo, mas que aos poucos, no decorrer da vida, iria segurar minha mão com menos força, pelos dedos, no dedo mindinho, até que um dia teria que soltar e eu teria que caminhar sozinha. E assim foi, aos quinze anos você "largou minha mão", deu minha liberdade, mas me deu também sua confiança e ainda me disse que estaria sempre por perto, pronto para ajudar em qualquer coisa que eu necessitasse. E hoje, mesmo com toda minha liberdade e maturidade, ainda assim, sempre te consulto em minhas decisões, sempre peço ajuda e sempre sou socorrida.
Portanto, nada do que eu diga poderá expressar minha gratidão por tudo que você fez e continua fazendo por mim. Afinal, foi você que me ensinou a dar os primeiros passos, a pronunciar as primeiras palavras, segurou firme minha mão durante a trajetória, sempre me deixando consciente de que eu escolheria meu próprio caminho. E graças a sua dedicação, hoje creio que escolhi o caminho certo para trilhar, pois tive sua vida como exemplo para mim. Você sempre esteve ao meu lado para tudo, apoiando minhas decisões, aconselhando quando foi necessário ou simplesmente dando colo quando mais precisei. Então só me resta dizer: - Muito obrigada! Pelos conselhos, pelos puxões de orelha, pelas palavras, pelo carinho, por sempre segurar a minha mão, por me apoiar, por me chamar de canto e falar: - Tô contigo! e até pela única chinelada que me deu na vida.
Muito obrigada por ser quem você é e por ter me tornado quem sou, pois grande parte do que sou hoje vem de você!
... E você sempre preocupado com “quem eu iria ser na vida”, acho que nunca se deu conta, de que tudo o que eu mais queria nessa vida, era ser como você!
Obrigada por tudo, EU TE AMO PAI.